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O sonho não acabou: 3 anos depois da tragédia no Ninho do Urubu, Naydjel Callebe mantém desejo de ser jogador profissional

Postado em: 08/04/2022

Ano passado, vice-campeão do Municipal pelo Guarani. fotos: arquivo pessoal e arquivo Olhonabola

A madrugada do dia 8 de fevereiro de 2019 será para sempre lembrada como um dos mais trágicos momentos do futebol brasileiro. Naquela noite, 26 meninos, de 14 a 16 anos, literalmente viviam o sonho de estarem em um dos maiores clube do Brasil, iniciando a temporada e imaginando como seria o rumo que iriam cursar profissionalmente.

Porém, um incêndio no Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo, no Rio de Janeiro, transformou esse sonho em pesadelo e encerrou de maneira brutal a vida de 10 destes jovens, e marcou de maneira traumática a trajetória de outros 16 que conseguiram escapar com vida da ‘tragédia do Ninho’.

Dentre os sobreviventes está o rondonense Naydjel Callebe, volante do time sub-14 do rubro-negro carioca, onde chegou ao time carioca no final de 2018, após se destacar em avaliações realizadas no Trieste, time amador de Curitiba que tem parceria com o Flamengo na captação de jovens talentos. “Quando fui para o Rio de Janeiro consegui jogar bem e me tornar atleta do Flamengo. Como estava no fim do ano, voltei para casa e esperei até retornar no dia 4 de fevereiro. Cheguei lá e quatro dias depois aconteceu o trágico acidente. Nem com bola havia treinado”, relembra.

Com as memórias daquela fatídica noite ainda muito vivas na lembrança, o jovem diz buscar nos amigos e familiares o apoio necessário para tentar levar a vida da maneira mais normal possível. “As lembranças são de uma noite horrível, tem vezes que não consigo dormir com medo daquilo acontecer novamente. Converso bastante com os meninos, pois vivemos algo inacreditável, tem dias que alguns deles mandam mensagem dizendo que estão mal, aí conversamos sobre isso para tentar nos acalmar. Eu era muito próximo do Gedson, pois passei uma semana de treinamento com ele no Trieste e éramos do mesmo empresário”, relara Naydjel, citando Gedson Santos, um dos meninos que perderam a vida no incêndio. “Minha família e amigos têm uma grande importância em relação a tudo isso, pois me acolheram e me deram suporte para tudo, para poder desabafar sobre aquele momento e tentar esquecer aquela noite”, continua, observando que não precisou de ajuda psicológica nesse período.

Logo após o incêndio no Ninho do Urubu, Naydjel retornou para a casa dos pais em Marechal Rondon, e um mês depois voltou ao Rio de Janeiro, onde atuou durante 2019. No início de 2020, porém, o atleta recebeu a notícia que seria dispensado, assim como outros remanescentes da tragédia. A notícia, claro, foi lamentada pelo jogador. “Sempre me imaginei um jogador profissional, porém naquelas condições, de já estar no Flamengo, o sonho era muito maior”, expõe. 

Os jovens receberam, então, um convite para fazer testes no Vasco da Gama, outro gigante do futebol carioca, mas Naydjel optou por não aceitar naquele momento.

De volta para casa, o rondonense voltou às origens: jogar futsal pela AACC Copagril, onde iniciou sua trajetória, aos sete anos, sob comando dos técnicos Dudu Durks e Karl Schmidt. Vice-campeão paranaense da classe sub-17 em 2021, ao lado do técnico Gauchinho, Naydjel segue jogando futsal enquanto busca novas chances no futebol, sua grande paixão. “Estou esperando oportunidades no futebol de campo, o futsal deixo como segunda opção”, aponta. Por esse motivo, ele segue mantendo a forma física e ritmo de jogo atuando também no Campeonato de Futebol Amador rondonense. “O Municipal é importante para mim, pois jogo com caras mais experientes e com uma grande história no futebol, aprendo muito com eles e vejo como uma nova maneira de jogar contra jogadores mais fortes que eu. Ano passado não iria jogar, mas acabei fechando com o Guarani em cima da hora e acabamos ficando em segundo lugar. Nesse ano acertei com a AABB, que tem vários jogadores do Guarani ano passado e vamos em busca do caneco”, comenta Naydjel, que se considera um “volante/ meia que às vezes quebra um galho na zaga ou na lateral-esquerda, com poder de  marcação, boa qualidade de passe e uma ótima finalização”. Ídolos no futebol? “Tenho como ídolo o Luan, que era do Grêmio e hoje está no Corinthians, e gosto muito de ver jogar craques como De Bruyne e Kimmich”. Sonho? “Jogar um dia no Grêmio e se Deus quiser jogar em qualquer time europeu”.

Importância dos técnicos

Canhoto, Naydjel chamava a atenção ainda menino pelo fato de chutar muito bem, com precisão e força, fazendo muitos gols pelas categorias de base da AACC, que abriram as portas para defender a Sadia, de Toledo, em competições estaduais, a convite do professor Ironei Mantovani, que também foi fundamental para conseguir espaço no Trieste.

É o que destaca Nilson Strohschein, o Strocha, que sempre acompanhou de perto a carreira do filho. “O Naydjel jogou por muitos anos campeonatos regionais pela AACC e em 2015 ele foi convidado para disputar uma competição estadual por Toledo, a convite do professor Ironei, que assim como o Karl, que é uma lenda pra mexer com essa gurizada, e o Dudu, são pessoas importantíssimas e que ajudaram demais”, enaltece.  

Segundo ele, o gasto com transporte para levar Naydjel aos treinos em Toledo ou para fazer testes em Curitiba chegou a pesar no orçamento familiar, mas o sonho do filho, o incentivo da irmã, Cynthia, e da mãe, Carla, e o apoio de um amigo falaram mais alto. “Ali na base a gente sempre acompanhava, quando não tinha como ir de ônibus, dava um jeito de carro ou de carona até Toledo. Minha menina trabalhava só meio período, então pegava o carro e levava, era uma função, porque eles treinavam três vezes por semana e tínhamos que custear isso. Mas essa passagem por Toledo abriu as portas, teve um teste para o Trieste em Toledo e o Naydjel passou bem, ao lado de mais dois meninos, e foi convidado para ir até Curitiba. À princípio eu não quis, porque era um valor elevado, mas então minha menina e a esposa falaram ‘poxa, ele joga tanto e joga pra isso, porque não tentar?’. Levamos ele a Curitiba para fazer testes e fez alguns jogos. Um mês e meio depois o Flamengo foi lá fazer um peneirão e pediram para levar o Naydjel. Nesse tempo era difícil eu levar, e ele foi junto com o Donny, ex-goleiro da Copagril, que levou seu filho. Pagamos tudo, mas no final ele não aceitou e devolveu o dinheiro. Ali já surgiu um interesse do Flamengo propriamente dito. Depois pediram que fizesse um novo teste e ele foi bem pra caramba, então o profissional do Flamengo chamou para ficar em Curitiba, custeando todas as despesas, passagem, hospedagem, alimentação, escola, lazer, tudo. Ficou um bom tempo fora, e com apenas 13 anos na época foi complicado”, relembra.

A manhã do pesadelo

Depois desse período, vieram um teste bem-sucedido no Rio de Janeiro e o convite para vestir a camisa do clube com maior torcida do Brasil. No ano seguinte, Strocha acompanhou o filho no retorno a capital carioca, e apenas um dia após regressar a Marechal Rondon, acorda com a notícia aterrorizante: o alojamento onde o filho estava tinha pegado fogo. “Acordamos cedo com a notícia do acidente, mas sem novidade alguma, trocava os canais da TV, mas eram todas as mesmas notícias. Ficamos aflitos, muita gente ligando e nós não tínhamos notícia, chegou um momento que paramos de atender o telefone, porque não adiantava, não conseguíamos dar resposta também, até que era 9 horas o Naydjel ligou e disse que estava tudo bem com ele, mas que seu amigo, o Gedinho, não conseguiu se salvar. Foi um misto de alívio, natural, mas que mesmo assim as coisas ainda foram complicadas, até você assimilar tudo, porque foi um choque. Foi um dia bem difícil, mas no sábado eles acabaram tendo que fazer depoimento, porque eles iriam para suas casas e a polícia não teria mais acesso a eles. Foi colhido o depoimento e no sábado à noite mesmo já estava em Curitiba, então busquei ele lá na casa do João Gasparin, outro atleta que sobreviveu ao acidente”, relata o pai.

Para Strocha, os meses seguintes à tragédia foram muito difíceis para toda a família, mas especialmente para o filho. “Foi um período bem complicado porque eles moravam em um hotel, porque o Ninho do Urubu estava interditado. Eles treinavam no CT do Audax, e era uma correria, saía cedo para ir treinar, a mãe dele ficou lá no Rio de Janeiro durante um tempo. Ele fez alguns jogos, poucos como titular, alguns ele entrava e teve umas competições que acabou ficando de fora. No final do ano acabou não se adaptando, na época também ficou complicado para todos aqueles, ficou tudo muito confuso para eles, inclusive o Flamengo avisou que não o aproveitariam no ano seguinte bem no dia do aniversário dele. Foi um dia terrível, imagina passar o aniversário dessa forma”, lamenta.

Amparo familiar

Obviamente aliviado pelo fato do filho ter escapado ileso do incêndio, Strocha enaltece a capacidade do filho em absorver tudo o que aconteceu. “Foi uma experiência traumática para todos. O Naydjel tenta se resguardar, mas fico imaginando como foi viver um dia fatídico como aquele, morrer dez meninos do teu lado, a forma como aconteceu e a repercussão de tudo isso para um menino de 14 anos. É uma cicatriz que fica pra vida toda, imagino que quando ele tiver 60 anos vai lembrar aqui desse dia. Mas a parte mental dele sempre foi muito boa, tanto é que ele acabou ganhando uns prêmios lá no Flamengo por notas em sala de aula. Sempre foi muito bem conceituado, muito bem educado, tanto é que ele morava na casa do empresário dele lá em Curitiba”, ressalta. 

Claramente chateado com a postura do Flamengo, Strocha é mais uma das pessoas que, mesmo não estando envolvidas diretamente nos processos judiciais pelos quais o rubro-negro responde até hoje, reforça a falta de apoio que o time carioca deixou de dar para as famílias das vítimas. “Para mim também foi um trauma, até pela falta de amparo do Flamengo. O pai do goleiro Bernardo, de Indaial (SC), por exemplo, falou que o Flamengo logo de cara não ofereceu assistência nenhuma, nem ligou avisando que os meninos tinham falecido, então foi um dia realmente terrível”, sentencia, lembrando que naquele momento o apoio da mãe ao filho foi fundamental. “A Carla ajudou muito em todos os aspectos. Abriu mão às vezes do trabalho dela e de algumas férias. No início sempre achei que ela não apoiaria, mas ela apoiou muito, inclusive quando ele volta do acidente do Rio de Janeiro e eu falei ‘apesar de gostar demais do futebol, por mim não precisa mais jogar, fica por aqui’. Mas a mãe dele insistiu bastante e apoiou nessa na volta após o incêndio, ela deu mais suporte do que eu naquele momento. Mas é natural, pois me preocupei muito naquela hora”, sustenta.

Portas abertas

Apesar de todos os problemas pelos quais Naydjel passou no Rio de Janeiro, agravados pela pandemia, que impediram as equipes de realizarem testes ou aceitar jogadores previamente selecionados por quase dois anos e perdendo uma época fundamental na formação do jogador, entre 14 e a 16 anos, o pai de Naydjel analisa que o fato de ter jogado um ano pelo Flamengo deixou oportunidades em aberto para o filho.  

“Essas passagens pelo Flamengo abriram muitas portas. O Vasco logo de cara convidou todos os atletas que já haviam sido dispensados, mas optamos em não aceitar, porque a gente voltaria para a mesmo mesma cidade, no Rio de Janeiro é difícil, preferimos tentar algo mais próximo e de pronto ele passou em um teste no Londrina e faria outro no Coritiba, mas então começou a pandemia e foi tudo cancelado. Ano passado ele ficou 20 dias em Minas Gerais, no Atlético Mineiro, ele foi bem e falaram que estão monitorando. Depois foi no Coritiba, mas fizeram jogos com outra categoria, um teste bem confuso e ele acabou não se adaptando. Em seguida ele fez alguns jogos pela Portuguesa Londrinense, pelo Campeonato Paranaense, mas parece que eles começaram a reformar o CT da base e ele voltou para casa. Agora surgiu novamente uma pessoa para auxiliar a tentar dar um ‘upgrade’ na carreira dele, seguimos o apoiando incondicionalmente. Estão surgindo novas oportunidades agora e vamos ver no que vai dar”, finaliza. 

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