Catorze de dezembro de 2014, estádio Djalma Pina da Silva, Cafelândia. Trinta minutos do segundo tempo, falta na intermediária. O atacante promissor Marcelo Basi pega a bola. Tranquilamente o experiente Zé Maria se aproxima e pergunta ao jovem companheiro se ele já havia visto um gol seu de falta. A bola viaja, caprichosamente, com o destino já traçado. O goleiro voa, um protocolo da profissão. Talvez quisesse ver a obra-prima ainda mais de perto, um privilegiado dentre os cinco mil que presenciaram o momento. Bola no ângulo, golaço. Fim de jogo, Corinthians de Margarida 5, Cafelândia 4. Título inédito, até hoje, para o futebol do Marechal Rondon na Copa Amop.
“Aquilo foi algo que me marcou. Vivi muitas coisas boas no futebol, e lembrar daquele lance me revigora, sempre é assunto nas rodinhas. Quando houve a falta, saí lá da defesa e fui trotando pra bater, e pensei ‘aqui é a chance de me consagrar, em uma final ainda’. Cheguei próximo da bola, e o Marcelo Basi, que era o cobrador e queria bater, pegou ela na mão, mas com toda humildade falei ‘deixa eu bater essa falta’, e perguntei pra ele se ele já tinha visto um gol meu de falta, pois era um piá novo. Ele disse que não, então falei ‘agora é a tua oportunidade cara, você não vai se arrepender. Só observa que você vai ver pela primeira vez um gol de falta meu’. Ele deu uma risada e me deu a bola. O Renan Nunes estava do meu lado e falou para deixar o Basi bater porque ele estava bem, o próprio Zé Colméia, meu compadre que estava no banco de reserva gritava ‘o Zé não’. Respondi para o Renan: ‘Eu sei que ele está bem, mas pode ter certeza que estou melhor ainda’, e com toda humildade pedi: ‘Renan, você já viu como que se cala cinco mil pessoas dentro de um estádio? Então só observa, nem precisa olhar pra cá. Só observa como eles vão ficar calados’. Mandei lá na gaveta, está na memória até hoje, o futebol nos proporciona lembranças boas demais”, relembra Zé Maria, aos risos.
Segundo ele, aquele gol ecoa até hoje através de convites para jogar competições amadoras na região de Anahy, próximo a Cafelândia. “Colho os frutos desse gol até hoje. Quando volto naquela região não tem uma pessoa que é do mundo esportivo lá que não fala desse gol e da nossa conquista, que foi importante para nós, um título regional que ninguém tinha conseguido dentro de Cafelândia, porque eles dominavam a Copa Amop e quebramos a hegemonia deles. Para nós do Corinthians de Margarida foi fantástico e por essas e outras que a gente vive nesse mundo, atrás de conquistas e quebras de tabus”, complementa.
Início
Em 1977, nascia na pequena, mas importante Vila Bela da Santíssima Trindade, a primeira capital de Mato Grosso, no período colonial, Eloilson dos Santos, que assim como a maioria dos meninos brasileiros, passou boa parte da infância jogando bola. No seu caso, o palco era o campinho à beira do rio Guaporé. Aos 18 anos, partiu rumo a Várzea Grande em busca do sonho de se tornar jogador nas categorias de base do Operário. Em seguida, rumou a São Paulo, onde passou pelo União São João de Araras e recebeu o apelido de Zé Maria pela semelhança com o lateral-direito da Portuguesa e seleção brasileira, e Penapolense, e Minas Gerais, no Flamengo de Araguari. O primeiro contrato foi assinado no Paraná, pelo Formosa d’Oeste, um dos principais rivais com Concórdia, que depois se tornou Marechal Esporte Clube, no período entre o final dos anos 90 e início dos anos 2000, quando Marechal Cândido Rondon viveu seu momento no futebol profissional disputando a 2ª e 3ª divisão estadual.
Chegada a Marechal Rondon
E foi nessa época que a ligação de Zé Maria com a cidade que futuramente iria escolher para viver começou. E quis o destino que uma rivalidade pessoal dentro de campo, gerada após vários confrontos entre Formosa e Concórdia, se transformasse em uma amizade para toda a vida. “Disputei a 3ª divisão pelo Formosa e fui bem. No ano seguinte tive três propostas para seguir em frente e escolhi a de Marechal. No dia 5 de janeiro de 1998 me apresentei aqui. Posso afirmar que, não sendo injusto com ninguém, Marechal para mim foi, dentre minhas andanças por aí, um dos melhores lugares que joguei, onde sempre me deram muita moral. Inclusive até havia uma rixa entre eu e Beto (Roberto Nunes, volante do Concórdia na época e hoje técnico do Marechal Futsal). Era uma rixa profissional, sem deslealdade. A gente era igual gato e cachorro, um não podia ver o outro, a gente ‘se arranhava’ direto, mas quando cheguei em Marechal o que me marcou foi a minha recepção, o cara que era um dos meus principais adversários dentro de campo foi o primeiro cara que me estendeu a mão. O Baio (Valmor Klein, presidente do Concórdia/ Marechal), o Miltão do Ó (técnico), todos me receberam muito bem, mas o que mais me marcou foi a recepção do Beto, me apresentando o pessoal e abrindo as portas para mim, por isso sou muito grato a ele.”, recorda Zé Maria, que perdeu a conta exata de quantas vezes jogou pelos times rondonenses. “Foram uma três ou quatro vezes, já considerava aqui a minha casa. Jogava o primeiro semestre, saía ‘caçar’ um rumo’ e sempre voltava. Até hoje as pessoas lembram de lances e gols meus daquela época, como um golaço de falta e outra vez de cabeça, quando ganhamos por 1 a 0, aqui tem pessoas que até hoje comentam desses gols, ambos contra Prudentópolis. São histórias marcantes que te fazem feliz no dia a dia, e por essas e outras que Marechal Rondon estará sempre no meu coração”, relata.
Segundo ele, não foram apenas os colegas de time, mas também a comunidade rondonense que acolheu o jogador com extrema receptividade. Motivos que, para ele, facilitaram na decisão de seguir a vida morando na cidade após o adeus ao futebol profissional. “Constituí minha família aqui e Graças a Deus temos um bom relacionamento perante a sociedade, isso para mim conta muito. Onde a gente vai as pessoas sempre nos tratam bem, sempre nos respeitam. Esse carinho me fez fixar residência aqui em Marechal, fui bem recebido por todos os lugares onde andei, mas aqui foi algo diferente. Sempre pensava no que faria depois de parar de jogar, queria constituir família e encontrei uma pessoa maravilhosa, que é minha esposa Vaninha, e temos uma filha, a Manu, que sempre foi um sonho. Hoje tenho muitos amigos também e tudo isso me fez hoje ter quase a naturalidade de um rondonense. Só tenho gratidão a Marechal, seja no trabalho ou na minha vida pessoal”, destaca.
Brasil afora
E nessa jornada ‘caçando rumo’, perambulando por várias equipes em busca do sucesso na carreira, Zé Maria atuou principalmente no futebol paranaense, vestindo as camisas do Foz do Iguaçu, Cascavel, Engenheiro Beltrão, Atlético de Paranavaí e Roma de Apucarana. No Mato Grosso do Sul, se destacou pelo Comercial, a no Sergipe defendeu o Confiança e o América de Propriá, onde pendurou as chuteiras em 2011.
No meio destas transferências pelo futebol nacional, Zé Maria recebeu uma oportunidade para jogar na Europa, em 2001. Apesar de pouco tempo no exterior, Zé Maria guarda com carinho a passagem pelo Slávia Sófia, da Bulgária. “Foi uma experiência sensacional. Vir de onde eu vim e ter o passaporte assinado foi uma experiência de uma grande valia. Tive dificuldade com a gastronomia e a língua. A comida lá é totalmente diferente da nossa aqui, somos acostumados com arroz e feijão, e lá, quando tinha, era muito caro, então era muito raro comer. Com a língua eu apanhei muito, apesar de que o empresário que me levou e um jogador brasileiro que estava lá falavam quase fluentemente, e dependíamos deles no tempo que fiquei lá. Cheguei no meio da temporada e essas dificuldades me fizeram cair de produção, e acabei não renovando. Tive que retornar para Marechal e começar tudo do zero, mas foi válido, foi algo maravilhoso que só tenho a agradecer”, expõe.
‘Canseira’ no lateral da seleção
Da temporada 2005, quando defendia o Roma, de Apucarana, Zé Maria traz na bagagem um ‘causo’ da bola envolvendo o lateral-direito Rafinha, hoje no São Paulo, que iniciava sua carreira no Coritiba antes de fazer sucesso no Schalke e Bayern de Munique, da Alemanha, passar pela seleção brasileira.
“Um dos momentos marcantes envolvendo jogadores que enfrentei e depois fez muito sucesso foi com o Rafinha. Aconteceu no estádio Willie Davids, em Maringá, pelo Paranaense de 2005. Na época eu ainda estava voando, eu jogando de lateral-esquerdo, e o Rafinha de lateral-direito. Pensava comigo, esse vai ser o jogo da minha vida. Ele apoiava o ataque e eu jogava nas costas dele, começamos aquela ‘briga’, a gente já se conhecia. Chegou o momento que ele ‘pediu o arrego’ e falou ‘Zé, chega de apoiar nas minhas costas. Vamos fazer o seguinte, apoia uma vez e duas, pra ficar um negócio bem disputado’. Então eu respondi, ‘vamos fazer o contrário, você apoia uma e eu vou duas, até porque você já está rico, e eu estou correndo atrás do sonho’. Essa é uma história muito bacana”, recorda.
A lenda
Nas resenhas de jogadores, grupos de amigos e redes sociais, Zé Maria também passou a ser identificado nos últimos anos por mais uma alcunha que complementa seu apelido: Zé Maria, a lenda. Como surgiu? O próprio Eloilson explica: “Me lembro até hoje, foi nos Jogos Abebeanos em Cascavel que surgiu o apelido da ‘lenda’. Tem o Zé Maria, aquele que era da Portuguesa, e numa roda de bate-papo lá, depois que saí estavam falando de mim, e alguém ficou na dúvida de qual Zé Maria estavam falando. Nesse momento disseram ‘aquele lá de Marechal, a lenda’. E aí ficou, os caras começaram a falaram assim, ‘ah, o Zé Maria, a lenda’. Esse apelido pegou e levo isso com naturalidade, como um ato carinhoso dos meus amigos, e isso me deixa muito feliz”, declara.
Batida perfeita
Assistir Zé Maria jogar bola em amistosos ou competidoras amadoras, mesmo após 10 anos de sua aposentadoria do futebol profissional, é uma atração por si só. Especialmente quem pode ficar perto do ex-lateral-esquerdo, zagueiro ou volante, funções que desempenhou com igual desenvoltura ao longo da carreira, e ter a noção exata da qualidade com que ‘a Lenda’ faz lançamentos ou cobra faltas com sua precisa perna esquerda. O segredo do ‘tapa’ na bola com extrema qualidade? Treino, muito treino. “A questão da batida na bola é isso, muito treino. Sempre fui um cara voluntarioso no futebol e sempre procurava melhorar em alguns fundamentos, e comecei a me aperfeiçoar batendo falta. Sempre gostei da bola parada e lançamento de longa distância, e isso também foi uma coisa que sempre tentei aprimorar. E graças a Deus eu só tenho gratidão a isso aí. Com toda humildade, hoje me sinto como vinho, ficando melhor na batida conforme fico mais velho. Já ouvi que é uma batida ‘peculiar’, e essa é uma frase que carrego comigo até hoje”, ressalta.
Hoje funcionário público, Zé Maria aproveita os finais de semana para a paixão da vida toda: jogar bola, seja em Marechal Rondon, onde nos últimos anos defendeu vários times, como Corinthians de Margarida, Porto Mendes, Canarinho, Botafogo, Assemar e Grêmio Aimoré, onde inclusive foi inscrito para o Municipal Amador deste ano, ou convidado para jogar em cidades como Anahy e Foz do Iguaçu, Zé Maria, aos 45 anos, ainda diz ter uma muita gasolina no tanque. “Em relação ao futebol amador aqui, graças a Deus tenho portas abertas em várias equipes, em vários grupos, e fico feliz em receber convites para jogar em Marechal e também em outras cidades. Isso é algo que nos valoriza ainda, faz achar que ainda tem pique de ‘piá novo’. Mas é gratificante jogar poder joga aqui e disputar o campeonato lá em Foz do Iguaçu, que é de alto nível e onde jogo há uns 10 anos, e também em Anahy, onde já tenho marcado para um segundo ano. É sinal que sou muito bem visto ainda pelas equipes ainda e mostra que tenho uma lenha pra queimar”, garante.
‘Meteoros’ no futebol rondonense
Com o ‘know how’ de quem foi profissional e sabe muito bem as dificuldades pelas quais um atleta passa para se tornar jogador, Zé Maria deixa sua opinião sobre o fato de Marechal Rondon, mesmo tendo vários jovens com grande qualidade técnica, não conseguir ter revelado tantos jogadores de futebol, e enaltece aqueles que conseguiram seguir carreira. “Aqui em nossa região o forte aqui é o futsal. O que falta para nós aqui seria um professor, alguém que com gabarito de trabalhar essa juventude no futsal e depois levar para o campo. Mas aqui é muito raro, aqui está igual um meteoro, é difícil cair algum, mas vira e mexe sempre aparece uns com potencial de seguir uma carreira profissional. Tem o Murilo, que cansei de ver na AABB, era aquele menino fominha que acompanhava o pai e sempre que dava uma brechinha estava lá no campo batendo bola. O Rafhinha Domingues é outra raridade que apareceu e já conseguiu ir para fora, assim como o Henrique, que iniciou no Coritiba, o Gio, goleiro que teve destaque no Rio Grande do Sul. Também tem o Naydjel, menino que está em busca do sonho de se tornar jogador. Então acredito que falta aqui esse ‘garimpeiro’, alguém que possa dar sequência com o trabalho de base, para poder lapidar essas joias que muitas vezes achamos que vão estourar, mas depois de um tempo nem o nosso amador consegue jogar. Qualidade tem, mas às vezes falta a oportunidade. Quem sabe um dia aparece alguém com esse gabarito para oportunizar algo a mais para essa piazada que temos em nossa região”, finaliza.
Oferecimento: